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A arte de vender calorias

  • 26 de março de 2013
  • crn1

A questão da obesidade ganhou grande atenção nos últimos anos. Michael Bloomberg, o reverenciado prefeito de Nova York, baniu a venda de bebidas com açúcar em grandes embalagens. A decisão gerou polêmica, mas não foi fortuita: a obesidade transformou-se em um problema crônico de saúde, afeta milhões de pessoas, sobrecarrega os sistemas de saúde e gera impactos negativos sobre a produtividade e a qualidade de vida. Bloomberg baseou-se em pesquisas que indicam serem os refrigerantes os principais vetores de açúcar na dieta norte-americana.
No fim de 2012, a revista britânica The Economist publicou uma extensa matéria especial a respeito da questão da obesidade, veiculada pouco depois em Carta Capital. Segundo Charlotte Howard, autora do texto, a origem do problema está nas rápidas mudanças ocorridas em poucas décadas: o trabalho migrou para os escritórios, o transporte foi motorizado e a oferta de alimentos processados aumentou. Resultado: as pessoas estão engordando como nunca e ficando doentes. O que começou como um problema de países desenvolvidos chegou rapidamente aos em desenvolvimento, inclusive ao Brasil, hoje um dos campeões da engorda.
A questão é ampla, complexa e não admite soluções simples. Envolve legisladores, especialistas em saúde pública, pesquisadores da área médica e, naturalmente, o direito individual de escolha dos cidadãos. Entretanto, parte importante da equação relaciona-se ao comportamento dos fabricantes de alimentos. Michael Moss, um repórter ganhador do Prêmio Pulitzer, pesquisou durante quatro anos a indústria de alimentos. Nesse período, conversou com mais de 300 pessoas: ex-empregados da indústria, cientistas, profissionais de marketing e presidentes de empresas. O produto da investigação é o livro Salt Sugar Fat: How the food giants hooked us (Randon House), publicado recentemente. A conclusão do autor: houve um esforço consciente em laboratórios de pesquisa, reuniões de marketing e nos corredores dos supermercados para viciar os consumidores em alimentos convenientes e baratos.
O livro, que teve um extrato publicado pela The New York Times Magazine, em 20 de fevereiro deste ano, está cheio de histórias saborosas. Moss conta como, no fim da década de 1990, um grupo bem-intencionado de altos executivos de grandes p empresas tentou abrir os olhos de seus pares para a necessidade o de produzir alimentos mais saudáveis e assim evitar o destino da vilificada indústria do tabaco. A iniciativa, contudo, esbarrou na ganância do grupo. Um dos participantes apontou: “Nós não vamos estragar as joias da empresa só porque uns caras de jaleco branco estão preocupados com a obesidade”. Muito sensível!
Moss conta também os grandes feitos de Howard Moskowitz, gênio da matemática e da psicologia, que voltou sua competência científica para a nobre tarefa de “otimizar” pizzas, sopas, molhos para salada e picles. O sábio desenvolveu habilidades capazes de, por meio de experimentos e tratamento de dados, definir a mais perfeita versão de cada produto, aquela capaz de maximizar o prazer do consumidor, tornar o produto viciante e encher os bolsos do fabricante. A preocupação com os efeitos sobre a saúde, naturalmente, não entra nos cálculos.
O autor narra também como os fabricantes de lanches rápidos souberam explorar a tendência infantil para o consumo de guloseimas cheias de açúcar e vazias de nutrientes. Estratégia escolhida (e premiada): bombardear a audiência de desenhos animados com propagandas que carregavam mensagens de forte apelo: “Todos os dias, você tem de fazer o que (os adultos) mandam, mas a hora do lanche é toda sua!” Em outras palavras, esqueça coisas chatas como saladas e comida saudável. Coma junk food. Ela foi feita para você.
O conhecimento do comportamento do consumidor evoluiu. Os bancos de dados e as ferramentas estatísticas se sofisticaram. No entanto, o princípio norteador de toda ação é simples. O que estudantes aprendem nas escolas de Administração e Marketing e a “cultura” estabelecida nas empresas partem de um postulado implacável: descubram o que o consumidor quer comprar e vendam em grandes volumes. Caso os clientes queiram açúcar ou sal, preparem produtos com esses ingredientes, em grandes quantidades. Se ingredientes caros puderem ser substituídos por baratos, disfarçados em embalagens atraentes, ótimo. E não se esqueçam de contratar as melhores agências de propaganda e promover os produtos especialmente para as crianças, o público de hoje e de amanhã.
Amém!
 
Fonte: Revista Carta Capital (23/03/2013)